Perspectivas dos Estudos Culturais: Concepções de Cultura
Os estudos culturais representam uma abordagem interdisciplinar que busca compreender como as culturas são formadas, negociadas e transformadas em contextos sociais, históricos e políticos. No centro dessa investigação está a concepção de cultura, que transcende definições tradicionais e é entendida como um campo dinâmico de práticas, significados e relações de poder.
Mas, o que é cultura e como podemos defini-la? Podemos afirmar que cultura representa todo o conjunto daquilo que é produzido pelo homem em contexto social, como tradições, crenças e costumes. Ela é transmitida através de gerações através da comunicação ou imitação. Na sociologia e na antropologia, o conceito de cultura também está relacionado aos conhecimentos, às ideias e às crenças de uma sociedade e/ou das diversas sociedades.
Dessa forma, a cultura pode ser entendida como o legado social compartilhado por um grupo, englobando um conjunto de padrões de comportamento humano que incluem: conhecimentos, experiências, atitudes, valores, crenças, práticas religiosas, idioma, sistemas hierárquicos, relações espaciais, percepção do tempo e concepções sobre o universo.
Além disso, a cultura pode ser descrita como o resultado do comportamento aprendido socialmente. Esse caráter dinâmico faz dela uma ferramenta essencial para a sobrevivência humana, sendo também um ponto central de estudo da antropologia, especialmente desde as contribuições do britânico Edward Tylor (1832-1917). Ele definiu cultura da seguinte forma:
“A cultura é aquele complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro da sociedade.”
1. Cultura: Da Definição Clássica à Concepção Ampliada
Na tradição clássica, a cultura era frequentemente associada à alta cultura, ou seja, às produções artísticas, literárias e intelectuais de uma sociedade. Essa visão hierárquica separava a alta cultura da cultura popular ou de massas, considerada inferior. Contudo, os estudos culturais, particularmente a partir da década de 1960, desafiaram essa abordagem, propondo uma concepção mais inclusiva e política de cultura.
1.1 Cultura Material e Imaterial
A cultura material refere-se aos objetos físicos produzidos e utilizados por uma sociedade, como artefatos, arquitetura e tecnologia. Já a cultura imaterial engloba aspectos intangíveis, como crenças, valores,linguagens, músicas e práticas religiosas. Ambas estão interligadas e são fundamentais para a construção e reprodução das identidades sociais.
1.2. Cultura Erudita e Cultura Popular
A cultura erudita é frequentemente associada a expressões artísticas e intelectuais valorizadas pelas elites, como música clássica, literatura canônica e artes plásticas. Por outro lado, a cultura popular engloba práticas culturais do cotidiano, como festivais, danças e produções midiáticas. Os estudos culturais enfatizam que ambas as formas de cultura têm valor intrínseco e estão em constante interação, sendo a cultura popular frequentemente um espaço de resistência e inovação.
1.3 Cultura como Texto
Uma das perspectivas centrais dos estudos culturais é a ideia de que a cultura pode ser analisada como um "texto", abrangendo não apenas livros e filmes, mas também práticas cotidianas, rituais e objetos materiais.
Essa abordagem, influenciada pelo estruturalismo e pelo pós-estruturalismo, permite desvendar os significados simbólicos e as estruturas ideológicas subjacentes.
1.4 Cultura como Espaço de Conflito
Outra concepção fundamental é que a cultura é um campo de luta simbólica e material. Os significados culturais não são fixos, mas contestados e renegociados em função de relações de poder. Por exemplo, o que é considerado "legítimo" ou "popular" pode variar conforme os interesses de grupos dominantes ou subalternos.
1.5 Principais Teóricos e Contribuições
Os estudos culturais emergiram oficialmente com o Centro de Estudos Culturais Contemporâneos (CCCS) na Universidade de Birmingham, fundado na década de 1960. Alguns dos principais teóricos e suas contribuições incluem:
a. Raymond Williams
Williams redefiniu cultura como "uma forma de vida", incluindo aspectos do cotidiano, como linguagem, valores e práticas. Ele também desenvolveu o conceito de "estrutura de sentimento", que descreve as experiências coletivas de um período histórico.
b. Stuart Hall
Hall destacou o papel da ideologia na formação de significados culturais e na reprodução de relações de poder.
Ele também desenvolveu a teoria da "codificação/decodificação", que explora como as audiências interpretam mensagens mediáticas de maneiras variadas.
c. Antonio Gramsci
Embora não diretamente ligado ao CCCS, a teoria da hegemonia cultural de Gramsci foi uma influência central.
Ele argumentou que as classes dominantes mantêm poder não apenas pela força, mas também pelo consenso, moldando valores e crenças através da cultura.
d. Homi Bhabha
No contexto do pós-colonialismo, Bhabha introduziu conceitos como "hibridismo cultural" para descrever como culturas coloniais e colonizadas interagem e se transformam mutuamente.
1.6 Cultura e Identidade
Uma área de destaque nos estudos culturais é a relação entre cultura e identidade. A identidade não é vista como fixa, mas como um processo em constante construção e reconstrução. Aspectos como gênero, etnia, classe social e sexualidade são fundamentais para entender como os indivíduos e grupos se posicionam no mundo.
1.7 Cultura Popular e Resistência
Os estudos culturais também examinam como a cultura popular pode ser um espaço de resistência.
Por exemplo, músicas, filmes ou gírias podem desafiar normas estabelecidas e expressar formas alternativas de viver e pensar.
1.8. Pontos fundamentais
Alguns entendimentos são essenciais para o estudo da cultura. Do ponto de vista das Ciências Sociais, os três axiomas sobre esta esfera da vida em sociedade são:
I. A cultura é uma característica do ser humano como ser social.
II. A cultura é adquirda, um comportamento aprendido, como um patrimônio social.
III. Por meio da cultura se estabelece uma parte da relação ser humano-sociedade-mundo.
Conclusão
Ao analisarmos as diferentes perspectivas sobre o conceito de cultura podemos caminhar para o reconhecimento dos objetos e vestígios da cultura material e imaterial de modo a identificar conhecimentos, valores, crenças e práticas que caracterizam a identidade e a diversidade cultural de diferentes sociedades inseridas no tempo e no espaço.
EXERCÍCIOS
1)
O antropólogo inglês Edward Tylor (1832-1917) foi responsável por criar a primeira definição de cultura. Segundo o estudioso, ela representa:
(...) todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade.
(TYLOR, E. Primitive culture. Londres: John Mursay & Co, 1871).
Sobre o conceito de cultura, é correto afirmar:
a) a cultura é universal e definida pela política, economia e educação das sociedades em que se desenvolve.
b) a cultura é sinônimo de educação e envolve o saber sobre a arte, as leis e a moral.
c) a cultura é conjunto de tradições, crenças e costumes de determinado grupo social.
d) a cultura representa uma rede de significados que foi imposta pelos povos da antiguidade.
e) a cultura gera determinados padrões que são considerados corretos e utilizados por todos.
2. (Enem 2016)
Participei de uma entrevista com o músico Renato Teixeira. Certa hora, alguém pediu para listar as diferenças entre a música sertaneja antiga e a atual. A resposta dele surpreendeu a todos: “Não há diferença alguma. A música caipira sempre foi a mesma. É uma música que espelha a vida do homem no campo, e a música não mente. O que mudou não foi a música, mas a vida no campo”. Faz todo sentido: a música caipira de raiz exalava uma solidão, um certo distanciamento do país “moderno”. Exigir o mesmo de uma música feita hoje, num interior conectado, globalizado e rico como o que temos, é impossível. Para o bem ou para o mal, a música reflete seu próprio tempo.
BARCINSKI. A. Mudou a música ou mudaram os caipiras? Folha de São Paulo, 4 jun. 2012 (adaptado).
A questão cultural indicada no texto ressalta o seguinte aspecto socioeconômico do atual campo brasileiro:
a) crescimento do sistema de produção extensiva.
b) expansão de atividades das novas ruralidades.
c) persistência de relações de trabalho compulsório.
d) contenção da política de subsídios agrícolas.
e) fortalecimento do modelo de organização cooperativa.
3. (Enem 2019)
O processamento da mandioca era uma atividade já realizada pelos nativos que viviam no Brasil antes da chegada de portugueses e africanos. Entretanto, ao longo do processo de colonização portuguesa, a produção da farinha foi aperfeiçoada e ampliada, tornando-se lugar-comum em todo o território da colônia portuguesa na América. Com a consolidação do comércio atlântico em suas diferentes conexões, a farinha atravessou os mares e chegou aos mercados africanos.
BEZERRA, N. R. Escravidão, farinha e tráfico atlântico: um novo olhar sobre as relações entre o Rio de Janeiro e Benguela (1790-1830). Disponível em: www.bn.br. Acesso em: 20 ago. 2014 (adaptado).
Considerando a formação do espaço atlântico, esse produto exemplifica historicamente a:
a) difusão de hábitos alimentares.
b) disseminação de rituais festivos.
c) ampliação dos saberes autóctones.
d) apropriação de costumes guerreiros.
e) diversificação de oferendas religiosas.
4. (Enem 2018)
Outra importante manifestação das crenças e tradições africanas na Colônia eram os objetos conhecidos como “bolsas de mandinga”. A insegurança tanto física como espiritual gerava uma necessidade generalizada de proteção: das catástrofes da natureza, das doenças, da má sorte, da violência dos núcleos urbanos, dos roubos, das brigas, dos malefícios de feiticeiros etc. Também para trazer sorte, dinheiro e até atrair mulheres, o costume era corrente nas primeiras décadas do século XVIII, envolvendo não apenas escravos, mas também homens brancos.
CALAINHO, D. B. Feitiços e feiticeiros. In: FIGUEIREDO, L. História do Brasil para ocupados. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013 (adaptado).
A prática histórico-cultural de matriz africana descrita no texto representava um(a):
a) expressão do valor das festividades da população pobre.
b) ferramenta para submeter os cativos ao trabalho forçado.
c) estratégia de subversão do poder da monarquia portuguesa.
d) elemento de conversão dos escravos ao catolicismo romano.
e) instrumento para minimizar o sentimento de desamparo social.
5. ENEM 2017
A fotografia, datada de 1860, é um indício da cultura escravista no Brasil, ao expressar a:
a) ambiguidade do trabalho doméstico exercido pela ama de leite, desenvolvendo uma relação de proximidade e subordinação em relação aos senhores.
b) integração dos escravos aos valores das classes médias, cultivando a família como pilar da sociedade imperial.
c) melhoria das condições de vida dos escravos observada pela roupa luxuosa, associando o trabalho doméstico a privilégios para os cativos.
d) esfera da vida privada, centralizando a figura feminina para afirmar o trabalho da mulher na educação letrada dos infantes.
e) distinção étnica entre senhores e escravos, demarcando a convivência entre estratos sociais como meio para superar a mestiçagem.
6.
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: www.planalto.gov. br. Acesso em: 27 julho de 2021.
O trecho da Constituição Federal de 1988 ressalta a importância da defesa do patrimônio cultural brasileiro ao considerar que:
a) sua preservação seja administrada e gerida pelo poder público e por seus órgãos responsáveis.
b) seu reconhecimento como tal seja feito por um grupo populacional considerável, em razão proporcional ao tamanho do município no qual ele se insere.
c) seu tombamento confirme sua excepcionalidade ou valor artístico incomum como bens materiais.
d) sua conservação seja de interesse privado para garantir o crescimento econômico de diferentes grupos que constituem a sociedade brasileira.
e) seu valor seja atestado por mais de uma geração e confirmado por especialistas no assunto com reconhecida trajetória acadêmica, bem como por um júri internacional.
Comentários
Postar um comentário